quarta-feira, 9 de abril de 2014

UM DIA NA FEIRA DO BRASIL NÃO SE EXPLICA

  Quando sai para a feira semanal, Clarice, dona de casa, trabalhadora autônoma, não esquece o caderno onde anota a pesquisa dos preços dos produtos que precisa comprar. De barraca em barraca,  faz o levantamento dos preços, levando em conta também a qualidade do que vai levar. 

- Bom dia, dona Claricê, vai hoje levar o tomate? Tá especial, olha, duvido que a senhora vá achar coisa melhor por aí, hein?

    Clarice sorri gentilmente, reconhece o empenho semanal daqueles vendedores em mostrar-lhe as vantagens que tornariam o seu produto a melhor escolha para ela, na hora, sem mais nada conhecer além daquela oferta. Porém, a dona de casa pensa como economista, como empresária, como cidadã. Olha nesse dia, o que aconteceu. 
    Três barracas adiante do estridente vendedor de tomates, Clarice entra no debate sobre as eleições deste ano, mais precisamente sobre o que estará na cabeça das pessoas na hora de fazer escolhas. 

- Quero saber o que vão dizer sobre a gente não conseguir fazer o que a gente ganha render para tudo que a gente precisa. Porque não sobra, falta, os preços sobem, ninguém consegue mais botar freio nisso? Bradou a moça com a carteira na mão, contando notas para pagar as compras.

- Não vão dizer nada, me desculpe a intromissão. Nós é que temos que tentar descobrir o que afeta a nossa vida, o que está bom ou ruim, o que temos e o que falta.

- Oh, dona Clarice, tava demorando pra chegar aqui. Que foi, achou banana mais em conta lá embaixo, é?

      Saudou o feirante aliviado pela aparição redentora de Clarice, bem na hora do chororô da outra freguesa. Mas a moça estava certa e Clarice, em vez de somar ao coro, veio logo com a solução.
     A semana foi realmente perfeita para refletirmos sobre o que nos torna ativos no processo de interferência direta, como podemos e devemos. Um estudo divulgado pelo Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT) feito com 30 países diz que o Brasil é onde os impostos arrecadados menos se convertem em serviços para a população. Para chegar a essa classificação, o IBPT criou o Índice de Retorno De Bem Estar à Sociedade (IRBES ). As posições de cada país nesse índice são calculadas com base em informações econômicas, ou seja, a carga de impostos, e nas sobre qualidade de vida, que compõem o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). O sinal de alerta é mais do que justificado, porque não foi a primeira vez que figuramos em último lugar nessa lista. Algo não vai bem e não é de hoje. 
    As mulheres como Clarice estão num estudo da consultoria EY (antiga Ernst & Young), publicado com exclusividade pelo site de O Globo. Entre os países do G-20, essa pesquisa revela que o Brasil tem a maior proporção de empreendedorismo feminino, são 10,4 milhões de mulheres a frente de negócios, 14% delas com idade economicamente ativa (de 18 a 64 anos), o que coloca o Brasil acima de países como a Argentina (12%), o México (10%), a África do Sul (8,5%) e a Austrália (6,5%). E qual o maior empecilho para elas? Primeiro a alta carga tributária, depois a falta de acesso a recursos para investimento e, por fim, a carência de mão de obra especializada. Tudo isso afeta o pequeno e o médio empresário, que movimenta a economia nesse país, abre postos de trabalho, gera renda. 

- Ah, pois é, mas daí, a gente olha na televisão, é só escândalo e notícia ruim sobre o Brasil. Desanima até de achar que gente pode fazer alguma coisa, né dona Clarice?

     O vendedor ainda tenta desviar a atenção que para ele deveria era sair logo dali, do preço da banana que a outra freguesa planejava questionar. 

- Uma coisa tem a ver com a outra, porque a corrupção pode contaminar tudo, mas vamos falar do que faz essa banana hoje estar a preço de tomate em alta de inflação, meu caro.

     A moça segura o dinheiro na mão, enquanto espera o feirante argumentar sobre o preço final do produto para poder entender por que teria motivo para pagar, nem que sejam centavos a mais, em relação ao mês passado, na mesma feira, pela mesma banana. É isso, queremos saber, alguém tem de explicar por que isso acontece e mais, alguém tem de descascar esse abacaxi. 

Christiane Santoro
Christiane Santoro Balbys, jornalista, 42, é consultora em Comunicação e Conteúdo nos setores público, privado e de instituições sem fins lucrativos. Formada pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) atuou no Governo do Estado de Santa Catarina com as áreas de políticas para o Turismo, Cultura e Esporte, Recursos Hídricos e Assuntos Estratégicos. Escreve sobre Comunicação e Negócios na coluna Alma do Negócio, do Sindicato das Agências de Propaganda de Santa Catarina (Sinapro-SC), veiculada pelo jornal Diário Catarinense (Grupo RBS). Atualmente vive em São Paulo, onde atua com comunicação e produção de conteúdo para diferentes segmentos econômicos e sociais.

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