segunda-feira, 14 de abril de 2014

"MULHERES DO BRONZE"

 "Mulheres de Bronze"

O Basquete Feminino do Brasil, ilustre desconhecido, surpreendeu o mundo esportivo com uma conquista inédita! Medalha de Bronze no Mundial do Ibirapuera-São Paulo-Brasil-1971.
Nossa equipe ficou conhecida como as Mulheres de Bronze.
Neste mundial praticamente não joguei, fiquei torcendo do banco, um grande ensinamento para minha vida.
Passamos quatro longos meses concentradas e treinando muito. Eu tinha na época 21 anos, estava determinada a ganhar o posto de titular desta maravilhosa equipe.

Mas, diante de tantas veteranas famosas consideradas as melhores do mundo, meu propósito era quase impossível.
O "quase" não me amedrontou..., muito menos intimidou; cada dia eu me esforçava mais e ia ganhando a confiança dos técnicos.
Este Mundial no Brasil era a grande oportunidade da minha família e amigos me virem jogando em nosso País. Nunca a seleção tinha jogado aqui e já tínhamos o título de campeãs panamericanas no Canadá-1967 e outros de sulamericanos...todos fora do nosso País.
Na véspera da abertura do Mundial ,fomos para o Ibirapuera fazer um treino tático para o jogo contra a França, uma equipe muito forte.
A comissão técnica ainda não tinha definido as titulares.
Fui para o treino ansiosa...sonhando em receber a camisa amarela . Isto significa ser titular!
Após o aquecimento os técnicos nos reuniram no centro da quadra para distribuir as camisas...meu coração não batia...retumbava! Estava tremendo inteira por dentro.
O Valdir Pagan, jogou camisas amarelas para as duas grandes pivôs Nilza (in memorian) e Marlene, outra para Maria Helena (o grande cérebro da equipe),outra para Norminha ( a maior expressão da época) e parou! Ficou olhando para mim, para Heleninha (armadora inteligentíssima) e para Laís (experiente armadora e defensora). Após alguns momentos angustiantes, olhou demoradamente e lançou a tão sonhada camisa canarinho para mim!
Eu quase gritei de emoção, não conseguia disfarçar o prazer da conquista. Comemorei internamente e comecei a sonhar com as manchetes dos jornais do outro dia: " A jovem  promissora Elzinha conquista o posto de armadora da Seleção Brasileira de 1971."
Pensei na alegria de toda a minha família que estava vindo para o Ibirapuera, com esforços imensuráveis financeiros.
O treino reiniciou. O técnico me chamou de lado com instruções específicas: Nada de jogadas arriscadas, só distribua bolas. Seja obediente e não se arrisque; amanhã é que começa o jogo de verdade... preciso de você inteirinha.
Consegui cumprir as instruções por um tempo, mas quando percebi a quantidade de fotógrafos, repórteres e até televisão (inédito para nós)... o meu orgulho e insensatez foi muito mais forte que a razão.(naquela época estava deixando Deus de lado)
Fui batendo a bola pelo centro da quadra, olhei para um lado, para o outro e ao invés de distribuir a bola parti para dentro com fintas mirabolantes e preparei para finalizar com uma jogada de "efeito".
Eu só tinha um propósito... APARECER!
A consequência da desobediência chegou instantânea... torci violentamente o pé! Caí no chão com dores intensas e chorando muito por dentro... sabia que estava fora da equipe e o pior...do Mundial!
Quanto arrependimento...já era tarde...perdi a batalha...minha alma em prantos não me permitiu chorar por fora.
No outro dia os jornais publicaram uma manchete: "Aumenta a média de idade das titulares do Brasil, a promissora jogadora Elzinha, de 21 anos, está fora do Mundial".
Bem diferente daquela que escrevi mentalmente com a pena da vaidade não é?
Naquela noite, sozinha no quarto do Hotel São Paulo, chorei muito e clamava a Deus para sarar meu pé.
Ao amanhecer senti SUA voz falando dentro de mim: "Minha filha amada, chega de orgulho, insensatez e desobediência. Agora EU vou cuidar do teu caráter; entregue tudo e venha sem restrições para MIM. Vou te forjar no sofrimento e na humilhação... lembre-se que tudo começa da desobediência...não posso tirar as consequências de você.
Começou minha escola de vida...torci do banco freneticamente pelas minhas companheiras, exercitei o espírito de equipe. Meu pé não sarou. Durante o Mundial, os médicos fizeram uma "botinha" de esparadrapo para eu entrar na quadra...os técnicos penalizados me colocaram um pouquinho contra a Coréia do Sul (fiz duas cestas) e mais um pouquinho contra as gigantes russas.
Nossa equipe encantou o Brasil, ficamos famosas, (eu nem tanto)... não estava preparada para lidar com a fama.
Nossa garrida equipe venceu o impossível... ganhamos a medalha de bronze...diante das temidas gigantes russas e tchecas. Batemos o Japão, Coréia do Sul, França e outros.
Um mês depois, embarcamos para Cali- Colômbia para o Panamericano.
Meu pé sarou. Fui titular e considerada uma das melhores jogadoras do Pan.
Começou uma fase áurea na minha carreira esportiva, dali para frente fiz muitas cestas e jogadas fantásticas para o Brasil, mas sempre em terras estrangeiras. Nossa seleção nunca mais jogou no Brasil.
Este é um relato de um pedacinho da minha vida nas quadras defendendo o Brasil. A medalha de bronze que ganhamos nem sei por onde anda, mas a interna de ouro, que ganhei com o Tratamento de Deus , levo comigo por onde quer que eu vá. Hoje sou grata por este acontecimento que foi "graça" disfarçada de tristeza.
Até hoje quando fico tentada a desobedecer, meu pé dói um pouquinho para ativar minha memória.

Elzinha Pacheco (Ver Quem Somos)

4 comentários:

  1. Parabéns Elzinha. Saber reconhecer os erros e, deles tirar lições de vida, é fundamental para o nosso crescimento. Lindo relato e, sim, nesse campo, decididamente, vc herdou os talentos do avô e do pai.

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  2. Lembro bem de tudo isso, minha irmã...ficamos tristes por não ver você na quadra, como imaginávamos ver...jogando o que sabia fazer muito bem...mas nos alegramos em ver o nosso time conquistar o 3º lugar...até hoje me lembro da vitória contra o Japão...demais da conta de emocionante.

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  3. Elzinha minha querida--Muito lindo o seu depoimento, autêntico e verdadeiro. Somente as grandes guerreiras são capazes de exprimir tanto sentimento de amor pelo que fez e faz. Esse blog tem que sentir-se privilegiado em ter ao seu lado uma protagonista de grande valor no desporto nacional. Fica sempre com DEUS minha amiga. Parabéns, bjs,wm.

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  4. Adorei ler esse relato, mesmo já depois de ter ouvido você mesma contando. Nada de bronze. Você é uma mulher de ouro, Elzinha. Lindo texto...

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